segunda-feira, 11 de abril de 2016

Traduzindo gêneros

No meu último texto para este blog, abordei o aspecto da questão de gênero no uso do ‘singular they’. A reflexão continuou latente no meu fazer tradutório, e percebi que tenho uma grande tendência a traduzir certas palavras, especialmente as que se referem a profissões, optando por um determinado gênero. Pergunto aos/às colegas de profissão: como vocês costumam traduzir palavras como ‘soldier’, ‘nurse’, ‘teacher’, ‘doctor’, ‘professor’?
Se alguém está lendo este texto e não conhece a língua inglesa, cabe dizer que as palavras não têm gênero, são neutras nessa língua. Então ‘a doctor’ pode ser um médico, mas também uma médica (sem contar o título acadêmico doutor ou doutora, que discuto a seguir). Tive uma surpresa bem grande quando estava lendo um romance e uma personagem era ‘a doctor’. Imediatamente, imaginei um homem. Logo mais, descobri tratar-se de uma mulher. Fui pego pelas minhas construções estereotípicas!
É verdade que em geral os textos acabam revelando se se trata de um homem ou de uma mulher, aí é só voltar e ajustar, caso tenhamos traduzido errado. Mas o que dizer dessa construção social que perpassa de geração em geração sobre o que é de um gênero e o que é de outro, inclusive nas profissões?
Sei que há enfermeiros e sei também que em número menor que enfermeiras, mas esse fato é suficiente para explicar por que tenho a tendência de ler ‘nurse’ e traduzir enfermeira? Ou ‘secretary’? E quando se trata de ‘soldier’ a coisa complica ainda mais; além da tendência a escrever soldado, o mais óbvio equivalente feminino, soldada, não está registrado, por exemplo, no dicionário Aulete Digital como feminino de soldado. Aliás, há uma profissão um tanto esquizofrênica nesse argumento, pois é majoritariamente exercida ou pelo menos designada a mulheres, enquanto a palavra é masculina: modelo.
Uma língua não se muda por decreto, é um organismo vivo e quem manda é povo, mas alguém se lembra da polêmica de ‘presidenta’? Já ouvi o argumento de que governador também não teria feminino, mas soou menos estranha aos ouvidos a palavra governadora. E de onde surgiu governanta?
Seguindo nessa linha, dizemos uma professora doutora ou uma professora doutor? Professora mestre ou professora mestra? Bacharel ou bacharela?
Essa tendência ideológica não é exclusividade da língua de Camões. A de Molière, pátria de tantas feministas, ainda apresenta uma série de profissões que não tem um equivalente feminino, por exemplo: ‘un ingénieur, un président directeur général, un commandant de bord, un chef de chantier, un procureur, etc.’ (exemplos retirados daqui). Ainda, em francês gramatical corretíssimo, deve-se dizer ‘Madame le President, Madame le préfet’, em detrimento do artigo feminino ‘la’. O que estaria por detrás disso?

Já cantaram “This is a man’s world”. Pois eu digo que the world is our oyster.

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