Neste primeiro semestre de 2016, tive a oportunidade de
cursar a matéria ‘Poéticas da Tradução nas Literaturas Modernas e
Contemporâneas: da semiótica da cultura à poética da tradução’, ministrada pela
professora Dra. Anna Palma na Universidade Federal de Minas Gerais. Como o nome
já diz, a trajetória teve início com a semiótica, sobre que lemos Toury,
Lotman, Ivan-Zohar e Peirce, e passou para a tradução, com leituras de
Benjamin, Derrida, Schleiermacher, Lefevere e culminando com Meschonnic e
Berman.
Estes dois últimos autores foram bastante levados em
consideração com relação ao trabalho do tradutor em relação à poética do texto.
Como desafio, então, decidimos fazer uma tradução em conjunto de um conto de
Julio Cortázar, “Continuidad de los parques”. A escolha do idioma de origem se
deu pela presença de uma colega colombiana, ou seja, nativa da língua
espanhola, que fez uma leitura do texto para a turma para que todos pudessem
sentir o ritmo. Passamos para uma leitura mais atenta, em que pausávamos e
debatíamos palavras e significâncias. Segue o resultado:
Continuidad de los parques, de Julio Cortázar [publicado por
primera vez en la segunda edición del libro Final
del juego (1964)]
Había empezado a
leer la novela unos días antes. La abandonó por negocios urgentes, volvió a
abrirla cuando regresaba en tren a la finca; se dejaba interesar lentamente por
la trama, por el dibujo de los personajes. Esa tarde, después de escribir una
carta a su apoderado y discutir con el mayordomo una cuestión de aparcerías,
volvió al libro en la tranquilidad del estudio que miraba hacia el parque de
los robles. Arrellanado en su sillón favorito, de espaldas a la puerta que lo
hubiera molestado como una irritante posibilidad de intrusiones, dejó que su
mano izquierda acariciara una y otra vez el terciopelo verde y se puso a leer
los últimos capítulos. Su memoria retenía sin esfuerzo los nombres y las
imágenes de los protagonistas; la ilusión novelesca lo ganó casi en seguida.
Gozaba del placer casi perverso de irse desgajando línea a línea de lo que lo
rodeaba, y sentir a la vez que su cabeza descansaba cómodamente en el
terciopelo del alto respaldo, que los cigarrillos seguían al alcance de la
mano, que más allá de los ventanales danzaba el aire del atardecer bajo los
robles. Palabra a palabra, absorbido por la sórdida disyuntiva de los héroes,
dejándose ir hacia las imágenes que se concertaban y adquirían color y
movimiento, fue testigo del último encuentro en la cabaña del monte. Primero
entraba la mujer, recelosa; ahora llegaba el amante, lastimada la cara por el
chicotazo de una rama. Admirablemente restañaba ella la sangre con sus besos,
pero él rechazaba las caricias, no había venido para repetir las ceremonias de
una pasión secreta, protegida por un mundo de hojas secas y senderos furtivos.
El puñal se entibiaba contra su pecho, y debajo latía la libertad agazapada. Un
diálogo anhelante corría por las páginas como un arroyo de serpientes, y se
sentía que todo estaba decidido desde siempre. Hasta esas caricias que
enredaban el cuerpo del amante como queriendo retenerlo y disuadirlo, dibujaban
abominablemente la figura de otro cuerpo que era necesario destruir. Nada había
sido olvidado: coartadas, azares, posibles errores. A partir de esa hora cada
instante tenía su empleo minuciosamente atribuido. El doble repaso despiadado
se interrumpía apenas para que una mano acariciara una mejilla. Empezaba a
anochecer.
Sin mirarse ya,
atados rígidamente a la tarea que los esperaba, se separaron en la puerta de la
cabaña. Ella debía seguir por la senda que iba al norte. Desde la senda opuesta
él se volvió un instante para verla correr con el pelo suelto. Corrió a su vez,
parapetándose en los árboles y los setos, hasta distinguir en la bruma malva del
crepúsculo la alameda que llevaba a la casa. Los perros no debían ladrar, y no
ladraron. El mayordomo no estaría a esa hora, y no estaba. Subió los tres
peldaños del porche y entró. Desde la sangre galopando en sus oídos le llegaban
las palabras de la mujer: primero una sala azul, después una galería, una
escalera alfombrada. En lo alto, dos puertas. Nadie en la primera habitación,
nadie en la segunda. La puerta del salón, y entonces el puñal en la mano, la
luz de los ventanales, el alto respaldo de un sillón de terciopelo verde, la
cabeza del hombre en el sillón leyendo una novela
Continuidade dos parques,
de Julio Cortázar [publicado
pela primeira vez na segunda edição do livro Final del juego (1964)]
Havia começado
a ler a novela uns dias antes. Abandonou-a por negócios urgentes, voltou a
abri-la quando regressava de trem ao campo; se deixava interessar lentamente
pela trama, pelo desenho dos personagens. Essa tarde, depois de escrever uma
carta ao seu procurador e discutir com o capataz uma questão de parceria,
voltou ao livro na tranquilidade do escritório que dava para o parque de
carvalhos. Acomodado em sua poltrona favorita, de costas para a porta que poderia
perturbá-lo como uma irritante possibilidade de intrusões, deixou que sua mão
esquerda acariciasse uma ou outra vez o veludo verde e se pôs a ler os últimos
capítulos. Sua memória retinha sem esforço os nomes e as imagens dos
protagonistas; a ilusão novelesca o ganhou quase em seguida. Gozava do prazer
quase perverso de ir se desgarrando linha a linha do que o rodeava, e sentir a
cada vez que sua cabeça descansava comodamente no veludo do alto encosto, que
os cigarros seguiam ao alcance das mãos, que mais além das vidraças dançava o
ar do entardecer sob os carvalhos. Palavra por palavra, absorvido pela sórdida
disjuntiva dos heróis, deixando-se ir até às imagens que se concertavam e
adquiriam cor e movimento, foi testemunha do último encontro na cabana do
monte. Primeiro entrava a mulher, receosa; agora chegava o amante, com a cara
marcada pelo chicotear de um galho. Admiravelmente estancava ela o sangue com
seus beijos, mas ele rechaçava as carícias, não havia vindo para repetir as
cerimônias de uma paixão secreta, protegida por um mundo de folhas secas e
caminhos furtivos. O punhal se aquecia contra seu peito, e debaixo latejava a
liberdade velada. Um diálogo anelante corria pelas páginas como um arroio de
serpentes, e se sentia que tudo estava decidido desde sempre. Mesmo essas
carícias que enredavam o corpo do amante, como se querendo retê-lo e
dissuadi-lo, desenhavam abominavelmente a figura do outro corpo que era
necessário destruir. Nada havia sido esquecido: desculpas, azares, possíveis
erros. A partir dessa hora, cada instante tinha seu emprego minuciosamente
atribuído. O duplo repasso impiedoso se interrompia apenas para que uma mão
acariciasse uma face. Começava a anoitecer.
Sem mirar-se já,
atados rigidamente na tarefa que os esperava, se separaram na porta da cabana.
Ela devia seguir pela senda que ia ao norte. Da senda oposta ele se voltou um
instante para vê-la correr com os cabelos soltos. Correu por sua vez,
refugiando-se nas árvores e moitas, até distinguir na bruma malva do crepúsculo
a alameda que levava até a casa. Os cães não deveriam latir, e não latiram. O
capataz não estaria a essa hora, e não estava. Subiu os três degraus do pórtico
e entrou. Do sangue galopando em seus ouvidos lhe chegavam as palavras da
mulher: primeiro uma sala azul, depois uma galeria, uma escada atapetada. Do
alto, duas portas. Ninguém no primeiro quarto, ninguém no segundo. A porta do
salão e, então, o punhal em mão, a luz das vidraças, o alto encosto de uma
poltrona de veludo verde, a cabeça do homem na poltrona lendo uma novela.
Fim
Participaram desta tradução Anna Palma, Diogo Rufatto, Alexandre
Magalhães, Rafael Silva, Ayda Blanco Estupiñán, Allan Casteluber, Jéssica
Tamietti, Ênio Lacerda e André Meyerewicz.